2,4 milhões de pessoas são traficadas todo o ano

Eles têm boa conversa, são conhecidos, oferecem propostas de emprego fora do País com bons salários, estudos e, em alguns casos, até casamentos. Mas quando a vítima chega ao destino, “o sonho”

12 de março de 2013

Eles têm boa conversa, são conhecidos, oferecem propostas de emprego fora do País com bons salários, estudos e, em alguns casos, até casamentos. Mas quando a vítima chega ao destino, “o sonho” torna-se pesadelo. Elas têm seus passaportes confiscados e são obrigadas a trabalhar como prostitutas, tendo que pagar enormes quantias para saldar dívidas de passagens, comida, vestuário, estadia, etc.

Elas não sabem seus direitos no país estrangeiro e, para agravar a situação, desconhecem o idioma local. Vivem com medo, ficam vulneráveis, abandonadas e são abusadas como escravas sexuais.

O relato acima é verdadeiro e é conhecido como “tráfico humano”— terceiro crime mais lucrativo do mundo (em média US$ 32 bilhões, perdendo apenas para o tráfico de armas e drogas). A Organização das Nações Unidas (ONU) o define como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça”.

Funcionando desde 2006 no Aeroporto Internacional de Guarulhos, o Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes é referência no Brasil no atendimento às vítimas desta prática criminosa. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que 20,9 milhões de pessoas no mundo são vítimas de trabalho forçado/exploração sexual. Em média, por ano, 2,4 milhões de pessoas são traficadas; no Brasil, são 70 mil. A exploração sexual representa quase 80% dos casos. De cada cinco vítimas, quatro são mulheres ou meninas. O Posto Humanizado também é o primeiro no País e foi fundado pela Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (Asbrad) em parceria com o governo federal e Organizações Não Governamentais internacionais.

Desde 2010, a Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social da Prefeitura de Guarulhos o assumiu, integrando-o à Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, aprovada na gestão do ex-presidente Lula, que criou os núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas nos Estados (NETP). “Guarulhos é uma das principais rotas do tráfico interno e internacional de pessoas segundo dados da Polícia Rodoviária Federal. “O tráfico humano é antigo e chama a atenção das autoridades há muito tempo”, conta à Revista Aérea, a Secretária de Assistência Social, a pedagoga, Genilda Bernardes. Eleita vereadora em Guarulhos nas eleições de 2012, ela foi convidada pelo prefeito Sebastião Almeida (PT) e assumiu a Secretaria em janeiro deste ano.

Genilda explica que o relevante trabalho do Posto serviu de base para a criação dos Postos nos aeroportos do Acre, Ceará, Amazonas, Rio de Janeiro e Pará. “Identificamos todos os casos.  Atendemos desde problemas com vistos até pessoas traficadas, nas quais prestamos atendimento social, psicológico e jurídico. Temos parceria com a Polícia Federal, com as embaixadas dos países, com o Ministério da Justiça e com o Comitê de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e ao Turismo Sexual (ETTS)”, relata.

Dados de 2011 mostram que foram atendidas 326 pessoas no Posto Humanizado do Aeroporto – um aumento de quase 15% em relação à 2010. A maioria são brasileiros e as principais queixas são deportação, maus tratos da polícia migratória e tráfico de pessoas.

Todo o mês o Posto identifica cerca de 18 casos com graves indícios de tráfico com exploração sexual, oriundos da Espanha, Itália, Estados Unidos, Portugal e Turquia, entre outros países.

A maioria das vítimas são mulheres jovens de 20 a 30 anos,  solteiras, nordestinas e residentes de grandes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. “Mas não existe apenas o tráfico de mulheres. Há também casos de tráfico de órgãos, de crianças e bebês. As vítimas não gostam de falar, sentem vergonha, medo e indignação por terem sido traficadas e enganadas”, enfatiza a pedagoga Genilda Bernardes.

O tráfico de pessoas representa uma das mais graves violações dos direitos, pois retira da vítima a própria condição de pessoa humana ao tratá-la como um objeto, um produto, uma simples mercadoria.

Para fortalecer o combate, Genilda disse que o Posto Humanizado passará por uma nova reforma. “Hoje, funciona 24 horas e contratamos mais assistentes sociais. Também apresentamos um projeto de ampliação à concessionária GRU Airport”, disse.

Uma das novidades é a criação dentro do Aeroporto do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). “É fundamental avançar na política para o migrante. Pessoas assaltadas e moradores de rua nos procuram. Este Centro terá a capacidade de oferecer um atendimento digno para estes cidadãos, fazendo os encaminhamentos necessários”.

Palermo

Desde 2004, o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado e Protocolos Adicionais – mais conhecida como Convenção de Palermo – que disponibilizou instrumentos para operacionalizar a cooperação jurídica entre os 100 países participantes.

A Convenção tem força de lei ordinária. Segundo o documento, as pessoas aliciadas devem ser tratadas como vítimas de tráfico e receber proteção especial das autoridades dos países envolvidos.

Genilda destacou que a Convenção é um importante instrumento, mas disse que é necessário investir mais nos Postos Humanizados. “Dos 66 aeroportos brasileiros, temos postos em apenas cinco. A nossa luta é que o tráfico de pessoas sai da invisibilidade”, questiona.

A pedagoga disse que é urgente para o Brasil ter novas legislações que criem punições para todas as redes de tráfico; também é fundamental investir em ações de conscientização sobre a importância de denunciar, bem como ampliar as políticas de assistência social e de proteção às vítimas.

O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também reforça o apelo à sociedade sobre a importância de denunciar. “Nós precisamos conscientizar a população de que as informações têm que chegar ao Poder Público por que, sem elas, não temos como abrir inquérito, como investigar, como punir aqueles que praticam esse tipo de violência contra seres humanos”, explica.

Neste mês de março, entrará em vigor no Brasil uma campanha internacional contra a violência e o tráfico de mulheres. A diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior, a diplomata Maria Luiza Ribeiro Lopes da Silva, disse que o objetivo é promover ações que garantam o apoio às necessidades das brasileiras que estão fora do país.

A diplomata destacou que o trabalho da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180 – pág 11) promoveu uma mudança de comportamento das vítimas de violência e tráfico no exterior. Segundo ela, com profissionalismo e paciência, as atendentes conquistam a confiança das mulheres que, em geral, sentem medo de denunciar.

“O governo está firme e dedicado para mostrar que há alternativas para essas mulheres que se encontram em situação de risco”, finaliza.

Governo Dilma lança Plano para fortalecer combate ao tráfico de pessoas
Está em vigor no Brasil desde o dia 26 de fevereiro, o 2º Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Esta iniciativa do governo Dilma prevê o fortalecimento da rede contra este crime até 2014, com a meta de criar mais 10 novos núcleos/postos. Para isso, serão investidos R$ 5,9 milhões, incluindo a capacitação de 400 agentes e cooperação jurídica internacional. Desde 2008, já foram investidos R$ 5,2 milhões nesta rede, que conta atualmente com 13 postos de atendimento ao migrante e 16 núcleos estaduais. Em 2011 e 2012 foram capacitados 716 profissionais de diversas áreas no tema do tráfico de pessoas.
Articulado por meio do Ministério da Justiça (MJ) e das secretarias de Direitos Humanos (SDH) e de Políticas para Mulheres (SPM), o Plano foi construído com a participação da sociedade: mais de 1.500 cidadãos de várias instituições debateram as medidas em consultas públicas virtuais e 57 plenárias livres realizadas no Brasil e no exterior. “Ao instituir uma política que enfrente este problema, o governo brasileiro reafirma o seu compromisso inequívoco com a plena cidadania e liberdade de todas as suas cidadãs e cidadãos”, diz a ministra da SDH, Maria do Rosário.
Os postos ficam em locais de grande circulação (portos, aeroportos e rodoviárias) e são responsáveis pelo atendimento às vítimas.

Legislação
A legislação atual só pune o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, não contempla tráficos para fins de trabalho escravo, trabalho doméstico, venda de órgãos e de crianças.
Um projeto de lei da senadora Lidice da Mata (PSB-BA) quer mudar esta realidade e criminalizar todos os tipos de tráfico.
O apoio popular é fundamental para que a lei seja levada à votação e aprovada mais rápido. Faça a sua adesão entre no site: http://www.avaaz.org/en/petition/Aprimorar_a_lei_brasileira_para_combater_o_trafico_humano/?cCuFCd e participe desta luta.

Ligue 180

Graças ao disque 180 Internacional foi possível desvendar várias redes de tráfico de mulheres no Brasil e no exterior.

Em 2012, foram recebidas 80 ligações, sendo 30 da Espanha (37%), 25 da Itália (31%), 18 de Portugal (22%) e duas de El Salvador (2%). Brasil, França, Inglaterra, Luxemburgo e Suíça registraram uma chamada cada um, somando 6% das ligações. Esses telefonemas geraram 179 atendimentos. As denúncias desvendaram dois casos de tráfico de mulheres, com operações bem-sucedidas da Polícia Federal.

O mais  recente teve prisões no Brasil e em Salamanca, na Espanha. “O balanço do Ligue 180 Internacional faz um retrato, até então desconhecido, de como a violência contra as mulheres brasileiras transpõe fronteiras”, afirma a ministra Eleonora Menicucci.

Segundo a Secretaria Nacional de Justiça, entre 2005 e 2011, a Polícia Federal registrou 157 inquéritos por tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, enquanto que o Poder Judiciário, segundo o Conselho Nacional de Justiça, teve 91 processos distribuídos. Foram instaurados no total 514 inquéritos pela Polícia Federal entre 2005 e 2011, dos quais 13 eram de tráfico interno de pessoas e 344 de trabalho escravo.

Quanto às prisões e indiciamentos, foram 381 indiciados por tráfico internacional de pessoas para exploração sexual pela Polícia Federal e 158 presos, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional. No contexto do tráfico interno de pessoas para exploração sexual foram 31 indiciados pela PF e 117 presos, entre 2005 e 2010.

O estudo aponta que a maior incidência do tráfico internacional de brasileiros e brasileiras é para fins de exploração sexual.

De 475 vítimas identificadas pelo Ministério das Relações Exteriores, em seus consulados e embaixadas, 337 sofreram exploração sexual e 135 foram submetidas a trabalho escravo.

 

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Redação Revista Embarque

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