Indisciplina nas alturas: lista deve coibir passageiros que causam tumultos
Confira artigo da advogada Roberta Andreoli, presidente da Comissão Especial de Direito Aeronáutico da OAB-SP.
Por: Redação da Revista Embarque - 29 de julho de 2024
Com um crescimento espantoso nos últimos anos, os episódios de tumultos em aviões e aeroportos brasileiros pedem medidas de controle e tratamento aos passageiros que não observam suas obrigações. Uma delas já está em pauta na agenda regulatória da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC): a lista de “passageiros indisciplinados”, que pode impedir, por até 12 meses, o embarque de indivíduos com comportamentos que colocam operações do transporte aéreo em risco.
Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), durante o primeiro trimestre de 2023, foram registrados 114 episódios de indisciplina. Um quarto das perturbações apresentaram condutas violentas.
Com 585 casos, 2022 foi recordista em relação aos anos anteriores (em 2021, foram 434 eventos, contra 222 em 2020 e 304 em 2019). Do total de ocorrências, 9% envolveram agressões físicas, sendo 42% em solo, 32% em solo na aeronave e 26% em voo.
Por isso, ações contra passageiros que perturbem outros, danifiquem a aeronave ou atrapalhem sua operação são aguardadas com expectativa. Essas situações podem comprometer a segurança dos voos e causar danos às empresas, aeroportos e passageiros, além de gerar estresse à tripulação, atrasos e dificuldades no gerenciamento do tráfego aéreo.
Visando lidar com esse problema, a ANAC formou um grupo para estabelecer regras claras de gestão e punição de tais passageiros. A expectativa é de que regulamentação dos dispositivos trazidos pela Lei do Voo Simples, sancionada em 2022 e que altera o Código Brasileiro de Aeronáutica, traga diretrizes mais específicas sobre como lidar com usuários que violam as normas e sobre quais comportamentos devem ser considerados graves ou gravíssimos.
No dia 25 de junho de 2024, a Diretoria Colegiada da ANAC aprovou proposta da Resolução a regulamentar o tratamento a ser dispensado ao passageiro indisciplinado em operação de transporte aéreo regular doméstico; de alteração da Resolução nº 400/2016 que dispõe sobre as Condições Gerais de Transporte Aéreo e; de emenda ao Regulamento Brasileiro de Aviação Civil – RBAC nº 108, intitulado “Segurança da Aviação Civil contra Atos de Interferência Ilícita – Operador Aéreo. Os documentos estão em Consulta Pública nº 09/2024 com período de contribuições sociais entre 28 de junho até 14 de agosto.
No Brasil, passageiros que causam distúrbios a bordo ou nos aeroportos podem ser responsabilizados criminalmente por colocar em risco a segurança do transporte aéreo ou civilmente por danos causados à propriedade alheia.
Após a análise das contribuições sociais à referida Consulta Pública, haverá publicação de normas administrativas regulando o tratamento a ser dispensado ao passageiro indisciplinado. As medidas deverão ser aplicadas pelas companhias aéreas e aeródromos, visando, por exemplo, a contenção adequada e suficiente para manutenção da segurança operacional, o acionamento das autoridades policiais, a retirada do passageiro da aeronave, a adoção de medidas legais para reparação de dano causado e a adoção de outras medidas previstas no contrato de transporte celebrado com o passageiro que não se portou de maneira adequada. Para as condutas de indisciplina consideradas gravíssimas e elencadas exemplificativamente na Resolução proposta, deverão ser aplicadas, de forma obrigatória, pelo operador aéreo, medidas restritivas de impedimento de voar, seguindo as diretrizes elencadas na mesma Resolução, a fim de garantir a ampla defesa do passageiro.
É importante destacar que o transporte aéreo é um contrato que implica, desde a reserva dos assentos na aeronave, deveres e obrigações para passageiros e companhia aérea. Se um passageiro age de forma indisciplinada, colocando em risco a si mesmo, outros passageiros, tripulação e as instalações do aeroporto, a empresa aérea não deve ser obrigada a aceitar novos contratos com essa pessoa. Esse se demonstra ser o entendimento da ANAC que, inclusive propõe na Resolução em Consulta Pública, punições pecuniárias em valor significativo ao operador aéreo e aeroportuários que não aplicar a medida restritiva de impedimento de voo, ou deixar de informar a ANAC sobre o fato, dentre outras obrigações sugeridas no mesmo.
Já existem exemplos internacionais bem-sucedidos desse tipo de medida. Nos Estados Unidos, por exemplo, companhias como Delta Airlines e American Airlines adotaram a lista de proibição de voos. Essa política de “tolerância zero” para perturbações no transporte aéreo, resultou em uma redução de mais de 60% nos casos de indisciplina, de acordo com a Federal Aviation Administration (FAA).
Práticas internacionais apontam para uma abordagem eficaz na prevenção de indisciplinas e dissipação de riscos no transporte aéreo e a implementação de normas similares no Brasil é um ótimo sinal, que demonstra a extrema preocupação da ANAC em garantir a segurança de voo.
Roberta Andreoli, sócia do Leal Andreoli Advogados e presidente da Comissão Especial de Direito Aeronáutico da OAB-SP
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